sábado, 27 de março de 2010

a menina do cabelo colorido

Muita coisa mudou – muita coisa continuou exatamente a mesma. Seis anos depois do primeiro momento. Dos quinze até os vinte e um anos. Em uma história cheia de quedas e incertezas. Em uma garota que se criou e recriou milhares de vezes. Sempre houve apenas uma certeza.


A menina do cabelo colorido.

(a pequena francesa)


Teria sido uma atriz perfeita. Acabou se tornando uma rockstar perfeita, mas não perdeu a mania incontrolável de atuar na vida real. Difícil saber qual de suas milhares de personagens é a verdadeira Sophia Lawrey. Difícil descobrir quando está realmente sendo sincera.

Poderiam chamá-la de metida ou arrogante se ela não conseguisse ser tão (falsamente ou não) adorável. Se ela não encantasse qualquer um facilmente. Ela definitivamente sabe ser cheia de classe. Graciosa. Elegante. A francesa rica e mimada.

Mas ela também sabe ser aquela menina desesperada por cores, pela vida. Por mudanças. Aquela menina das roupas estranhas (e estilosas) e do cabelo colorido. Criativa. Impaciente. Instável. Inconstante. Inquieta. Impulsiva. Atrapalhada. Atrasada. Falante. Engraçada. Agitada. Carinhosa. Manhosa. Atenciosa. E talvez seja ainda mais encantadora dessa maneira. Talvez – como vários garotos(as) e a própria Nichole Goodrich já se perguntaram – ela seja realmente irresistível. Sem nem se esforçar para isso.

Não se pode negar que também poderiam – e (ou) chamaram – chamá-la de uma tremenda b-i-t-c-h. Egoísta. Egocêntrica. Narcisista. Um tanto quanto maldosa. Vingativa. Insensível. Indiferente. Irônica. Cínica. O tipo de garota que te despreza, mas você continua a adorar. Talvez ela até goste de ser assim. Mas só às vezes.

Sophia definitivamente, inquestionavelmente sabe ser sexy. Hot. Provocante. Persuasiva. Mesmo com seus poucos um e cinqüenta de altura, ainda há algo nela. Talvez o conjunto dos traços delicados de seu rosto, as curvas singelas, o corpo (um pouco) definido ou as tatuagens quase estratégicas. Talvez o contraste entre as íris azuis intensas tão doces e quase inocentes com o sorriso no canto dos lábios completamente malicioso.

Muita coisa de suas várias personagens de si mesma já havia mudado. Conseguira se tornar mais madura. Profissional, quando se tratando de banda. Mais segura. Mais confiante. Mais verdadeira. Muita coisa continuara exatamente a mesma.

Mas sua maior mudança é como não pode mais interpretar quando o assunto envolve uma única pessoa. Por maior que seja o seu esforço. Por mais que seja muito talentosa nisso. Tinha que haver uma única exceção: Ela.

sábado, 20 de março de 2010

Primeiros passos

Os olhinhos azuis esverdeados corriam da mamãe (um) para a mamãe (dois) atenta e curiosamente. As duas falavam sem prestar muita atenção nela. Carregavam coisas de um lado para o outro e às vezes davam risadas que tentava imitar. Achou que nunca conseguiria rir como as mamães, talvez elas tivessem um motivo especial para isso.

Talvez elas apenas tivessem uma à outra.

Estava cansada de ficar ali. Suas perninhas gordas começavam a doer, e as mãos já estavam paradas há minutos. Apoiadas no encosto do sofá, que usava como ajuda para continuar de pé. Já havia conseguido soltá-lo algumas vezes, mas, naquele momento, ele lhe era bem útil. Só que – ressaltando – começava a ficar cansada. Estava com tédio.

Mamãe! – Exclamou para qualquer uma delas.

Da maneira mais manhosa, e mais parecida com a palavra ‘mamãe’ que conseguiu. Pareceu dar certo por um segundo, quando a mamãe (dois) parou de andar e falar, olhou e sorriu. Então ela falou uma daquelas coisas que não entendia exatamente, mas que sabia significar algo como ‘fique aí quietinha mais um pouco’ e depois voltou a carregar coisas até aquela coisa que havia aprendido como mesa. Grunhiu baixo – não era muito mais fácil do que todas aquelas palavras complicadas? -, irritada com a falta de atenção.

Queria sair dali!

Só então, ainda observando as duas mamães, teve uma idéia. Uma idéia genial. Devagar, soltou as mãozinhas do sofá e conseguiu equilibrar seu próprio peso nas duas pernas. Riu animada, e nem pôde perceber que acabara de imitar perfeitamente a risada que queria. O próximo passo era mais difícil. A coisa mais difícil que já fizera. Não era apenas o próximo. Era, literalmente, o primeiro passo. Ergueu para frente e devagar uma das pernas, cheia de animação ao menor sinal de seu possível sucesso. Depois fez o mesmo com a outra.

Ok, até que não era tão difícil.

Para ajudar, percebeu que abrir os braços ajudava no equilíbrio. Conseguiu imitar o gesto mais quatro ou cinco vezes quando, de repente, seu corpo pendeu para o lado. Tentou recuperar o controle, mas foi impossível. Caiu. E o ‘mamãe’ seguinte veio acompanhado do choro manhoso pela dor da queda – e por ter fracassado.

– SOFIA! – Mamãe exclamou preocupada.

Largou as coisas sobre a mesa e correu até ela. Mas antes que chegasse, a outra mamãe a segurou pelo braço. Olharam-se por alguns segundos e falaram algumas coisas, até que a mamãe numero dois se abaixasse. Naquela mesma distância. Quase instantaneamente, parou de chorar.

O que ela estava fazendo?

– Venha cá, pequena. – Mamãe murmurou, estendendo os braços.

E repetiu mais algumas vezes, até que a pequena levantasse – com todo o esforço do mundo – e voltasse a se equilibrar. As duas sorriram, e mesmo que não entendesse o que exatamente significava todos aqueles ‘parabéns’, sabia que elas estavam orgulhosas. Mesmo que também não soubesse o que significava estar orgulhosa.

Demorou mais alguns minutos e alguns tombos e alguns equilíbrios para conseguir chegar até elas. Quando chegou, foi recebida pela mamãe com palavras animadas e um abraço gostoso. Mamãe numero um apenas observou por alguns instantes, um brilho forte no olhar. Depois ela se juntou ao abraço.

O melhor do mundo!

Percebeu, então, que a dor e a frustração de cair não importavam tanto. No final, quando sentisse o abraço caloroso das mamães e a simples sensação de prazer por ter conseguido, valeria a pena. E se tivesse ficado lá apoiada no sofá, apenas esperando, o que teria ganhado?

quinta-feira, 11 de março de 2010

People

O lado bom de não se deixar envolver pelas pessoas é não sofrer depois. Eu não consigo gostar de qualquer um com facilidade. As pessoas me irritam. E nem é só porque elas sempre são falsas, hipócritas, inconstantes, egoístas ou medrosas. Ou só uma dessas coisas. Todo mundo é um pouco assim. Eu sou um pouco assim. E eu quase não agüento a mim mesma por isso. Mas esse não é, nem de longe, o maior dos meus problemas com as pessoas.

O problema é que elas são cansativas.

Tediosas. Repetitivas.

Tédio me irrita. Talvez seja esse o meu motivo para escrever. Criar pessoas é muito mais divertido do que agüentá-las. É fácil criar alguém perfeito, imaginá-lo. Mas o mais legal é criar personagens imperfeitos. Talvez por isso eu goste dos vilões e não dos mocinhos. Os vilões geralmente são muito mais complexos. Eles sempre têm um lado bom. Eles têm motivos, medos e perguntas. Enquanto isso, os mocinhos são chatos e tediosos. Bonitos. Perfeitos. Cheios de si. Certos do que querem. Metidos a solidários ou bonzinhos.

Igual às pessoas. Ou a maioria delas.

Nos últimos dois anos, ou um pouco menos, o que mais me irrita nelas é como elas não se importam. Alguém alguma vez te disse que se importa? Era mentira. Ninguém se importa. Quando meu pai morreu, eu subi o morro de um hospital correndo atrás da ambulância.

De pijama.

Eu cheguei ao hospital com a esperança de que não fosse assim tão grave. Aquela esperança que a gente sente quando sabe que acabou e não quer acreditar. A mesma esperança que talvez eu sinta nesse momento. Quando toda essa pequena esperança se quebra... Dói.

Dói.

Eu vi o médico entregando a aliança dele para a minha mãe e eu era esperta o suficiente para ler o que os olhos dele diziam. Eu não fiquei para ouvir aquele ‘sinto muito’. Esse ‘sinto muito’ típico também me irrita.

Eu lembro exatamente do que senti enquanto refazia o caminho para a casa da minha avó, com a minha mãe chorando ao meu lado. Eu lembro exatamente de como eu queria gritar, como eu queria que ele voltasse, como eu queria que fosse mentira, como eu queria acordar e descobrir como fora um pesadelo, como eu queria que alguma daquelas pessoas que passavam na rua se importasse. A sensação de querer de volta e não poder fazer nada me incomodou por meses.

Exatamente como eu me sinto agora.

sábado, 6 de março de 2010

L-O-V-E!

Tirou todas as suas coisas dos bolsos – e do coração – e colocou sobre a mesa. Havia milhares. Tantas que mal podia contar. Tentou dar a merecida atenção para cada uma delas, manuseando-as e observando-as com atenção antes de separá-las em duas categorias:

As dispensáveis e as indispensáveis.

O lado das dispensáveis, que acabariam sendo jogadas no lixo e levadas para longe por pessoas desconhecidas, virou um enorme bolo de coisas inúteis. Um punhado de papel de balas de iogurte, anotações inúteis de anos atrás. Rostos quase desconhecidos que apenas ocupavam espaço em sua mente. Lembranças que não precisava mais. Aquele professor chato de física.

Vasculhando, sentiu nos dedos algo viscoso. Pegajoso. Grudou em suas mãos e subiu rapidamente por seus braços, encobrindo-lhe o corpo e o deixando de uma cor cinza. Antes que um segundo se passasse, dominava-lhe por completo. Trazia uma sensação de conforto e vazio.

A raiva, o medo e o rancor. A vingança.

Havia algo de sádico e masoquista em como aquilo lhe corroia o estomago e, ao mesmo tempo, parecia-lhe tão indispensável. Como se já fizesse parte de sua existência. Foi então que sentiu um gosto amargo e forte, como o pior dos remédios. Óbvio. O inconfundível gosto do medo. Tentou cuspi-lo, mas estava tão grudado em sua existência quanto os sentimentos anteriores.

Encorajou-se pelo gosto amargo e decidiu:

Aquilo tudo deveria ir parar na lixeira.

A segunda parte não era um bolo – e nem era enorme. Uma pequena pilha cuidadosamente arrumada numa organização perfeita. Envolvidas por uma camada fina – mas sincera e forte – de carinho e preocupação, as coisas que decidira como sendo indispensáveis para sua existência. Havia um lápis e um pequeno bloco de anotações. Um pequeno grupo dos familiares mais próximos. Os amigos – amigos, e não os colegas. Havia um punhado de músicas, artistas e filmes. Alguns livros também. Um grupo de sentimentos e algumas lembranças

Quando ergueu a mão para a coisa seguinte, sentiu algo queimar seus dedos. Largou rapidamente e viu o punhado vermelho brilhante se destacando na mesa. Tão atraente. Por um momento, sentiu aquele gosto amargo novamente. Mesmo assim, estendeu a mão e tocou a coisa outra vez. Dessa vez, não queimou. Envolveu e aqueceu seus dedos tranqüilamente, mas não subiu para envolver todo seu corpo. Deixou-lhe a escolha.

O amor.

Não era típico dele se impor. Sempre deixava a escolha. E ela, por um momento, sentiu o impulso de jogá-lo rapidamente para o amontoado das coisas inúteis. Não queria aquela coisa estranha que não conseguia entender. Sem ter coragem de jogá-lo fora, brincou com ele entre os dedos por alguns instantes. E sentiu vontade de rir. No final das contas, tentava entender. O que era aquilo? Às vezes, esquentava um pouco demais. Ardia e doía. Chegava a machucar. Mas, no instante seguinte, confortava. Era confuso. Durante aquele pouco tempo, quis livrar-se dele inúmeras vezes. Toda vez que ele machucava, sentia-se tentada a jogá-lo longe e esperar para vê-lo sendo arrastado para longe – bem longe. Mas alguma coisa não permitia.

Aquela duvida durou tanto tempo que não pôde contar. Por fim, cansada e cheia daquelas queimaduras, desistiu.

– Desculpe-me.... – Murmurou para si mesma.

Ou para o amor? De qualquer maneira, não o colocou em nenhuma das pilhas. Optou por colocá-lo direto no peito. No coração. Por algum motivo, ele merecia aquilo.

– ...Eu não posso desistir de você.

quarta-feira, 3 de março de 2010

A menina dos sonhos

Eu já estava deitada há algum tempo. Minutos, talvez horas. Encolhida no escuro, debaixo do cobertor, eu observava as sombras tremulas na parede vazia logo ao meu lado, sem pensar exatamente em alguma coisa. Foi quando senti o toque suave em minhas costas. Ela não pediu permissão – sabia que não precisava. Escorregou para debaixo do cobertor e me abraçou pelas costas. Tremi.

– Estava esperando.

– Eu sei. – Havia um sorriso em sua voz. – Eu sempre venho.

– Eu sei. – Sorri também.

Virei-me devagar, temendo que um movimento brusco a fizesse sumir. Temendo que não fosse real, e desejando o contrário em silêncio. De qualquer maneira, eu sentia ser real. Ela apenas continuou ali, sorrindo agora que nossos olhos se encontravam. Sua mão ficou apoiada sobre minha cintura – para que, minutos depois, eu fosse pressionada contra seu corpo – enquanto a minha fazia o mesmo, em seu pescoço. Então, como se houvesse algo nos unindo, nossos lábios se uniram antes que pudéssemos perceber. Ninguém queria voltar a se afastar, mas tinha que acontecer.

E conteceu minutos depois. Quando respirar já era difícil e havia uma sensação de calor prazerosa em meu peito – não somente o desejo, mas o conforto também. Ela sorriu boba e avançou o corpo sobre o meu, repousando os lábios perto do meu pescoço e fazendo cócegas com sua respiração, enquanto eu envolvia os braços em seus ombros.

Ficamos minutos em silêncio. Sentindo o momento.

– Você vai estar aqui quando eu acordar?

– É claro...

– Promete?

– Prometo.

Mas ela não estava. Quando abri os olhos para a manhã vazia e gelada, senti a onda de frustração e solidão trazer lágrimas aos meus olhos. Desejei com todas as minhas forças poder voltar a dormir. Assim eu poderia voltar a encontrá-la.